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Início » Possibilidades de regulamentação administrativa da Lei n.º 14.133/2021 por parte de órgãos e entidades dos Poderes Legislativo e Judiciário, MP´s, TC´s e Conselhos Profissionais

Possibilidades de regulamentação administrativa da Lei n.º 14.133/2021 por parte de órgãos e entidades dos Poderes Legislativo e Judiciário, MP´s, TC´s e Conselhos Profissionais

martelo que representa o Direito está sob a mesa e dois homens seguram canetas para analisar um papel
  • Artigos, Em destaque, Victor Amorim
  • maio 6, 2025
  • Sem Comentários
Victor Amorim
Coordenador do ONLL

O presente artigo tem por objetivo apresentar considerações críticas, orientadas por uma perspectiva constitucional, acerca dos limites e possibilidades de regulamentação da Lei n.º 14.133/2021, em especial por parte de órgãos e entidades dos Poderes Legislativo e Judiciário e daquelas instituições dotadas de autonomia essencial como Ministério Público e Tribunal de Contas, além do contexto peculiar dos Conselhos de Fiscalização Profissional.

Os estudos acadêmicos e doutrinários acerca do “poder regulamentar”, em geral, têm como objeto a atuação e o exercício da competência prevista no inciso IV do art. 84 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) por parte do Chefe do Poder Executivo, não sendo aprofundado em relação aos órgãos e entidades de outros Poderes que, a rigor, ostentam “estrutura monolítica”, assim compreendida a característica de indivisibilidade orgânica, seja por via da desconcentração, seja da descentralização.

Tal lacuna se torna ainda mais emblemática em razão do comportamento enfatizado pela Lei n.º 14.133/2021 para a edição de diversos regulamentos, ainda que não se trate de uma norma de eficácia limitada[1]. Em verdade, de todo o seu conteúdo, há um único dispositivo que estabelece a obrigatoriedade inexorável da edição de regulamento para viabilizar a aplicação da Lei n.º 14.133/2021 para a aquisição de bens de consumo, qual seja, o § 2º do art. 20[2].

Considerando a própria finalidade do mecanismo, a indicação de espaços de regulamentação em diversos dispositivos da Lei n.º 14.133/2021 representa justamente o reconhecimento pelo legislador da importância do regulamento como instrumento para gerar maior eficiência, previsibilidade, uniformidade e segurança na aplicação da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (LLCA).

1. Regulamentos administrativos e hierarquia normativa

O sistema jurídico brasileiro, por ser composto de normas de naturezas e origens distintas, é estruturado de forma hierárquica, despontando a CRFB como a norma fundamental, da qual as demais normas retiram, de forma direta ou indireta, o seu fundamento de validade.

As normas oriundas diretamente da Constituição, de que trata os incisos II a VII do art. 59 da CRFB, são denominadas “atos normativos primários”.[3] Desde que observados os limites formais e materiais traçados no texto constitucional, os atos normativos primários poderão “inovar na ordem jurídica”, instituindo, restringindo, limitando ou condicionando direitos.

Considerando o inerente grau de abstração das leis, desponta a relevância do “poder regulamentar” da Administração – e não, exclusivamente, do Poder Executivo –, materializado na edição de atos normativos secundários, genericamente referidos como “regulamentos”, para consecução dos seguintes objetivos[4]:

a) uniformizar os procedimentos a serem observados pela Administração para a execução da lei;[5]

b) precisar o conteúdo de conceitos genéricos e indeterminados existentes na lei;[6]

c) diante de sentidos polissêmicos decorrentes da interpretação dos enunciados textuais de ato normativo primário, a definição, por parte da Administração, do entendimento institucional objetivo;[7]

d) delimitar os contornos da competência discricionária legal (especificação do que constitui o núcleo do “mérito discricionário”).

Sem adentrar nas classificações e discussões doutrinárias acerca das espécies e tipos[8], o que nos interessa no presente tópico são os chamados “regulamentos de execução” ou “regulamentos secundum legem” (art. 84, IV, da CRFB), cuja finalidade precípua é conferir maior concretude à interpretação das leis stricto sensu e, assim, viabilizar a sua aplicação de maneira mais eficiente e institucionalizada. Tais regulamentos de execução são atos normativos secundários, que retiram seu fundamento de validade das leis e não diretamente da Constituição. Conforme Fabrício Motta:

[…] tais atos encontram-se, necessariamente, em patamar hierárquico inferior à lei e, consequentemente, a ela subordinados. Submetem-se com totalidade, por isso, aos dois subprincípios componentes do princípio da legalidade: reserva legal e preferência da lei. É dizer: ainda que retirem seu fundamento de validade implicitamente da Constituição, não poderão imiscuir-se no campo reservado para regulação pelas leis. Da mesma forma, estarão sujeitos a controle de legalidade a posteriori no caso de superveniência de lei reguladora.[9]

Portanto, a principal característica do regulamento é sua subordinação à lei, devendo ser com ela compatível, sem inovar substancialmente na ordem jurídica.[10] Diante de eventual inovação substancial, como uma restrição ou condicionamento ao exercício de um direito além dos contornos estabelecidos em lei, o regulamento será ilegal naquilo que transpuser os limites de conformação regulamentar, ou seja, quando extrapolar o núcleo essencial do ato normativo primário.[11]

É preciso quebrar o paradigma segundo o qual é vedado, de forma absoluta, que o regulamento de execução venha a veicular qualquer espaço de natureza criativa em relação ao panorama normativo já delineado na lei regulamentada. Nesse sentido, é precisa a crítica de Gustavo Binebojm, com suporte em Sérgio Ferraz:

O que se está aqui propugnando é que a noção de regulamento de execução não pode ser circunscrita a uma atividade basicamente repetidora da lei, ou “um mero elemento de sua execução, como um procedimento de sua aplicação”, conforme defendia Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Sempre, em maior ou menor medida – ressalvadas, é claro, as hipóteses de reserva de lei, notadamente a absoluta – haverá espaço para a atividade criativa do poder regulamentar de execução. Neste exato diapasão, Sérgio Ferraz preleciona que, “realmente, de nenhuma valia é o regulamento que se limita a repetir a lei”. Além disso, continua o publicista, o regulamento executivo não pode ser contra legem, entretanto, “a sua finalidade é a execução do conteúdo da lei, e não de seu limite formal”. Desse modo, o regulamento de execução pode “conter norma nova, desde que não contrarie a ordem legal vigente e seja necessária à plena execução do diploma regulamentado”.[12]

Em outras palavras, mostra-se ineficiente e sem razão a edição de regulamento que apenas e tão somente se limita a reproduzir o texto da própria lei “regulamentada”. Da mesma forma, é destituído de sentido lógico um regulamento que, a despeito de não copiar expressamente a lei, veicula igual conteúdo, com outras palavras apenas.

Afinal, como consignado por Eros Grau, não se pode confundir a função legislativa com a função normativa, inerente à atividade regulamentar[13]. A norma decorre da interpretação que se faz do enunciado textual da lei[14]. Assim, para concretizar a lei e viabilizar uma aplicação mais eficiente, pressupõe-se que os órgãos e entidades competentes para regulamentação irão interpretar o texto da lei e, em assim o fazendo, irão “revelar” os sentidos e as compreensões institucionais da Administração acerca do enunciado textual estabelecido pelo legislador. Em decorrência, ao atribuir sentido à lei, haverá, no regulamento, uma densificação normativa, que pode ser considerada como “criação”.

Em similar abordagem, argumenta Leonardo Avelino Duarte ser “impossível ao programa normativo regulamentar não criar direito ou obrigação. Sem embargo, ele deve fazer isto para poder integrar o comando constitucional ou legal o ordenamento jurídico, tornando-o aplicável. Daí que, por amor à técnica jurídica, não há que se falar em ausência de ineditismo no regulamento de execução. Ele conterá, sim, um programa normativo inédito (senão, claro, sequer seria necessário), contudo, seu conteúdo de significação deverá manter uma correlação de dependência lógica com o programa constitucional ou legal, sendo imprescindível para concretizá-lo no mundo”.[15]

Marco Antonio dos Santos Rodrigues é enfático ao dizer que “todo regulamento irá criar normas jurídicas […] geradoras de direitos e obrigações necessárias à execução de um texto legal”, afinal, “a interpretação do Direito é criativa e, por via de consequência, o estabelecimento de regulamentos para execução de leis também o é. Interpretar não significa apenas declarar o sentido de uma norma: a definição do sentido de determinado dispositivo envolve a criação do intérprete. De igual maneira, a elaboração de regulamento de execução de lei não é apenas uma mera declaração dos limites da norma do Legislativo”.[16]

Desde que não venha a contrariar a lei a ser executada (contra legem) e atento aos parâmetros de juridicidade, há que se resguardar a liberdade de densificação (ainda que criativa) do poder regulamentar, partindo-se do pressuposto de que a opção do legislador em conferir tal margem a determinadas autoridades administrativas pressupõe a expertise técnica e/ou política para o estabelecimento de instrumentos normativos eficazes e eficientes para a consecução da lei regulamentada. Isto é, reconhecer, na formulação de Cass Sunstein e Adrian Vermeule,[17] a “capacidade institucional” de cada autoridade detentora da competência regulamentar, definida concretamente dentro de um arranjo institucional específico, contexto conhecido por “regulamentação orgânica”.

Há, em uma compreensão weberiana, uma legitimação do poder regulamentar pela racionalidade decorrente da especialização técnico-funcional da autoridade administrativa, o que, de forma alguma, se mostra contrário às demandas democráticas não apenas procedimentais,[18] mas, também, substanciais.[19]

No sistema brasileiro, até mesmo em razão da redação do inciso IV do art. 84 da CRFB, o decreto é a espécie de regulamento de execução que materializa o exercício do poder regulamentar por Chefe do Poder Executivo. Contudo, outras espécies poderão se apresentar conforme o Poder, a autoridade ou o órgão editor do regulamento (inclusive, se singular ou colegiado). Teríamos, assim, uma miríade de possibilidades: atos, resoluções, portarias, instruções normativas, orientações normativas, deliberações normativas, entre outras.

2. Conteúdo “ideal” de regulamentação da Lei n.º 14.133/2021

Face às premissas lançadas no tópico anterior, serão apresentados a seguir aspectos temáticos da Lei n.º 14.133/2021 cuja regulamentação é considerada desejável (não condição sine qua non de aplicação da LLCA), notadamente para os já chamados órgãos e entidades de “estrutura monolítica”:

a) diretrizes de governança e de seus respectivos instrumentos, em especial o plano de contratação anual;

b) estabelecimento da matriz de competências, assim entendido o detalhamento das atribuições de cada unidade administrativa e dos agentes públicos que desempenhem funções essenciais na execução da LLCA, como os agentes de contratação, os gestores e os fiscais;

c) delineamento operacional acerca da formulação e atendimento às consultas jurídicas correlatas ao desempenho das atribuições dos agentes públicos, agentes de contratação, gestores e fiscais;

d) regulação acerca da padronização dos documentos de formalização de demanda (formalidade, conteúdo mínimo e alinhamento com o macroplanejamento);

e) estruturação do fluxo da fase preparatória, competências e conteúdos mínimos dos artefatos de planejamento (ETP, TR/PB e pesquisa de preços);

f) definição de uma instância ou instituição de um colegiado responsável pela elaboração e atualização das minutas-padrão de editais e contratos;

g) critérios para a operacionalização da contratação direta e, em especial, a regulamentação do disposto nos §§1º e 3º do art. 75 da Lei n.º 14.133/2021;

h) diretrizes e rotinas de gestão e fiscalização de contratos;

i) regras para fixação de prazos e condições de recebimento do objeto do contrato;

j) regras e critérios acerca da fixação dos prazos de vigência contratual e as condições e requisitos objetivos para as suas prorrogações;

l) procedimentos de instrução e apreciação de alteração contratual e demais pleitos formulados por contratados (v.g., reajuste, repactuação e reequilíbrio econômico-financeiro)[20];

m) detalhamento do sistema de registro de preços, com regulamentação acerca das matérias previstas no art. 82 da LLCA (em especial os incisos VI e IX), condições objetivas para a prorrogação de vigência da ARP (art. 84 da Lei n.º 14.133/2021), requisitos internos para solicitar e para autorizar a adesão e regramentos para padronização do acionamento, controle e gestão das ARP´s;

n) diretrizes para a realização e cabimento de procedimentos auxiliares como a pré-qualificação, o credenciamento, o catálogo eletrônico de padronização e o procedimento de manifestação de interesse[21];

o) regras relativas à publicidade e transparência dos atos de licitações e contratos compatíveis com a utilização do Portal Nacional de Contratações Públicas, notadamente a definição de “sítio eletrônico oficial” para os fins de publicidade adicional;

p) rito dos processos administrativos sancionatórios, incluindo a previsão de instrumentos de consensualidade, critérios objetivos de dosimetria das sanções, interação com a Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013) e aplicabilidade prática do §3º do art. 22 da LINDB (Decreto-Lei n.º 4.657/1942).

Cumpre esclarecer que as matérias acima elencadas constituem objeto do que podemos chamar de “regulamento orgânico”, assim entendido por contemplar disciplina regulamentar interna estabelecendo as diretrizes de governança e macroplanejamento, a matriz de competências (quem faz o quê?) e os fluxos de instrução processual no seio de cada instituição (como fazer?).

3. A autonomia federativa e dos Poderes no exercício do “poder regulamentar”

A CRFB, no inciso IV do art. 84, institui o chamado “poder regulamentar”, conferindo ao Presidente da República a competência para expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis.  A despeito de se apontar como fundamento para o poder regulamentar o mencionado dispositivo constitucional, numa lógica de observância da independência (que tem como uma das facetas a autonomia administrativa), há que se observar a competência regulamentar dos demais Poderes (Legislativo e Judiciário) e dos órgãos que gozam de tal autonomia de acordo com o texto constitucional (Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunais de Contas)[22]. O mesmo raciocínio aplica-se, por simetria, ao âmbito dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

A bem da verdade, em nossa compreensão, ainda que o Poder Executivo regulamente determinado ato normativo primário, os demais Poderes e entes federados não ficam, a priori, vinculados ao ato regulamentador quando a matéria ali versada se referir a atividades administrativas de cunho interno de tais poderes e entes[23].

Como alerta Fabrício Motta, “a Constituição da República assegura aos poderes Judiciário e Legislativo e ao Ministério Público autonomia administrativa”, de modo que “não se admitem, no exercício de cada um dos poderes, interferências recíprocas que não sejam constitucionalmente admitidas, sob pena de comprometer a necessária independência de cada qual”[24].

Como instrumentalização dessa autonomia administrativa assegurada pela CRFB a todos os poderes, evidencia-se a competência para edição de atos normativos – inclusive para regulamentação de leis stricto sensu – para o exercício adequado de suas funções, contemplando, ainda, as funções atípicas, que compreendem as atividades de administração interna[25].

Em igual sentido, Vera Monteiro aduz:

[…] o chefe do Poder Executivo pode editar um decreto regulamentador para a Administração, assim como também podem fazê-lo os chefes do Judiciário e Legislativo, através de normativa própria. Cada um dos Poderes pode editar norma complementadora para os fins de adequar a norma geral às competências locais, sendo que o maior mérito de decretos e resoluções neste sentido é a uniformidade de condutas por eles produzidas[26].

E, ainda, André Luiz Freire:

O regulamento editado pelo Presidente da República não poderá vincular os órgãos independentes da União (isto é, os órgãos dotados de independência na sua atuação por força da Constituição. O Decreto 10.024/2019, por exemplo, não pode obrigar os órgãos do Congresso Nacional, do Poder Judiciário federal, do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público da União. Estes órgãos editarão seus próprios regulamentos administrativos.[27]

Logo, reiteramos que não há uma vinculação normativa hierárquica entre decretos do Poder Executivo e os atos normativos regulamentares eventualmente editados por demais poderes[28]. Entender dessa forma é fazer tábula rasa dos fundamentos da República Federativa do Brasil no tocante à harmonia e independência dos Poderes.

4. A complexa estrutura regulamentar nas contratações públicas: hierarquia de regulamentos e a problemática das instruções normativas do SISG

Em matéria de licitações e contratos, é fundamental a compreensão da complexidade real no poder regulamentar das autoridades brasileiras, em especial a estrutura hierarquizada da organização administrativa. É possível depreender regulamentações de segundo grau, em geral materializadas em portarias, instruções ou orientações normativas.

Diversos são os exemplos de decretos expedidos pelo Presidente da República que contêm disposição prevendo a disciplina subsidiária por autoridades subordinadas ao Chefe do Poder Executivo Federal[29]. De acordo com Motta[30], são os chamados atos normativos derivados de segundo grau (ou, simplesmente, “regulamentos de regulamentos”)[31].

Por se tratar de uma espécie de regulamentação de segundo grau, defende-se a existência de uma relação direta de hierarquia entre tais instrumentos e os regulamentos, devendo, diante do extrapolamento de limites de normatização complementar, considerar aqueles como inaplicáveis[32].

Quanto ao tema, merece destaque o papel de normatização do “órgão central” do Sistema de Serviços Gerais (SISG), cuja atribuição encontra fundamento no art. 30, § 1o, do Decreto-Lei n.º 200/1967[33], e que, atualmente, é exercido pela Secretaria de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (SEGES/MGI).

Os normativos editados pela SEGES são vinculativos apenas e tão somente para as entidades integrantes do SISG, quais sejam, os órgãos e entidades da Administração direta, autárquica e fundacional vinculados ao Poder Executivo Federal.

No âmbito da União, não compõem o SISG e, portanto, não estão vinculados aos normativos da SEGES, os órgãos do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, o Ministério Público e o próprio TCU. Por óbvio, também não estão compreendidos no SISG os órgãos da Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Ocorre que, em uma perspectiva pragmática, caso os chamados “órgãos não-SISG” venham a utilizar o sistema de compras eletrônicas do Governo Federal (denominado Compras.gov.br) – e anteriormente conhecido por “Comprasnet” –, como consequência, recepcionarão (voluntariamente) os normativos da SEGES, já que tais regulamentos pautam a parametrização das funcionalidades e “regras de negócio” das plataformas providas pelo Poder Executivo Federal[34].

5. A situação peculiar dos Conselhos de Fiscalização Profissional e sua autonomia de regulamentação da Lei nº 14.133/2021

Diante do entendimento do STF externado na ADI n.º 1.717/DF[35], que resultou na declaração de inconstitucionalidade do art. 58, caput, e § § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º, da Lei n.º 9.469/1998, foi reconhecida a natureza autárquica dos Conselhos Profissionais, ou seja, afirmada a personalidade jurídica de direito público. Ou seja, por ostentar a natureza de autarquia, é inegável a submissão dos Conselhos Profissionais (autarquias especiais ou corporativas) às disposições da Lei n.º 14.133/2021[36].

Contudo, é preciso salientar que o mesmo STF, no julgamento da ADC n.º 36/DF, concluiu que “os Conselhos Profissionais, enquanto autarquias corporativas criadas por lei com outorga para o exercício de atividade típica do Estado, tem maior grau de autonomia administrativa e financeira, constituindo espécie sui generis de pessoa jurídica de direito público não estatal” [grifou-se][37].

Em seu voto-vista, o Min. Alexandre de Moraes pontuou que os Conselhos “não estão submetidos ao controle institucional, político, administrativo de um ministério ou da Presidência da República, ou seja, eles não estão na estrutura orgânica do Estado. Eles não têm e não recebem ingerência do Estado nos aspectos mais relevantes da sua estrutura – indicação de seus dirigentes, aprovação e fiscalização da sua própria programação financeira ou mesmo a existência, podemos chamar, de um orçamento interno. Eles não se submetem, como todos os demais órgãos do Estado, à aprovação de sua programação orçamentária, mediante lei orçamentária, pelo Congresso Nacional. Não há nenhuma ingerência na fixação de despesas de pessoal e de administração” [grifou-se].

Portanto, ainda que situados na “órbita federal”, os Conselhos Profissionais não estão na alçada hierárquica de controle e supervisão ordinários do Chefe do Poder Executivo Federal[38], enquanto responsável pela “direção superior da administração federal”, consoante preconizam os artigos 13, 19, 25 e 26 do Decreto-Lei n.º 200/1967. Por conseguinte, a princípio, também não estariam os Conselhos obrigados a observar os regulamentos de execução da Lei n.º 14.133/2021 editados pelo Presidente da República, notadamente quando versarem sobre aspectos de governança e de gestão interna de aspectos organizacionais, fluxos e competências relacionados à execução da LLCA, como, por exemplo, os Decretos n.º 10.929/2022, n.º 10.947/2022, 11.246/2022 e n.º 12.304/2024.

Ademais, por não integrarem o SISG, não estão vinculados aos normativos editados pela SEGES/MGI.

Como visto nos tópicos anteriores, desde que observadas as normas gerais e específicas[39] da LLCA, os Conselhos Profissionais apresentam um relevante espaço de regulamentação da Lei n.º 14.133/2021, inclusive maior do que as autarquias “tradicionais”.

Cumpre salientar que, a despeito de não estarem vinculados “automaticamente” aos regulamentos do Presidente da República e da SEGES, os Conselhos poderão, de forma voluntária, adotar total ou parcialmente as referidas regulamentações, sendo salutar que, quando o façam, customizem de acordo com as suas respectivas realidades organizacionais e capacidades institucionais.


Notas

[1] Vale aqui registrar as críticas formuladas pelo autor, registradas em vídeo disponibilizado no Instagram em 06/04/2021, acerca do equívoco em considerar a Lei n.º 14.133/2021 como uma “norma de eficácia limitada”, dada uma suposta dependência de sua aplicabilidade à edição de diversos regulamentos [vide: https://www.instagram.com/tv/CNVw1FuD81J/?igsh=cHRjbG5nd2VlemQ5].

[2] Art. 20. Os itens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da Administração Pública deverão ser de qualidade comum, não superior à necessária para cumprir as finalidades às quais se destinam, vedada a aquisição de artigos de luxo.    

§ 1º Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário definirão em regulamento os limites para o enquadramento dos bens de consumo nas categorias comum e luxo.

§ 2º A partir de 180 (cento e oitenta) dias contados da promulgação desta Lei, novas compras de bens de consumo só poderão ser efetivadas com a edição, pela autoridade competente, do regulamento a que se refere o § 1º deste artigo.

[3] A emendas constitucionais (art. 59, I, CRFB) não são consideradas “atos normativos primários” por serem, em verdade, normas constitucionais.

[4] Cf. MOTTA, Fabrício. Função normativa da administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 161.

[5] Na LLCA, um importante exemplo da pertinência de regulamentação para tal finalidade é a explicitação da compreensão acerca das possíveis dimensões da expressão “vantagem” referida nos incisos II e III do art. 106. E, também, para o estabelecimento, no seio do órgão ou entidade regulamentadora, de balizas uniformes para a justificativa e avaliação da regularidade de excepcionalização da diretriz de parcelamento das compras (art. 40, §3º, I). Ainda, no tocante às dispensas pelo valor, é salutar que o regulamento estabeleça um padrão a ser observado na instituição quanto ao procedimento a ser observado de acordo com o §3º do art. 75 e, também, os parâmetros objetivos para o somatório das despesas de que trata o inciso II do §1º do mesmo art. 75.

[6] No caso da LLCA, podemos trazer alguns exemplos da pertinência da função regulamentar para a melhor densificação dos conceitos legais que não forma expressamente consignados na Lei n.º 14.133/2021, a despeito da extensão do seu art. 6º. A saber: a conceituação de “obra comum de engenharia” (tendo em vista dos reflexos possíveis decorrentes do §3º do art. 18; alínea “a” do inciso II do art. 55; e inciso I do art. 85) e de “sistema estruturante de tecnologia da informação” (para fins de aplicação do art. 114).

[7] Exemplo emblemático se observa em relação ao art. 84 da LLCA: diante da possibilidade de prorrogação do prazo de vigência de ARP, surgem duas possibilidades imediatas: os quantitativos registrados seriam passíveis de renovação ou não? Sem adentrar no mérito da discussão (o que foi feito no tópico 6.4.1 do Capítulo 12), diante da possibilidade de sentidos a partir da interpretação do art. 84 da Lei n.º 14.133/2021, desponta como função do regulamento justamente materializar o entendimento institucional do órgão ou entidade regulamentadora: se permite ou não a renovação de quantitativo e, em caso positivo, quais seriam os requisitos e condições para tanto.

[8] Vide, para tanto: RODRIGUES. Marco Antonio dos Santos. Constituição e Administração Pública: definindo novos contornos à legalidade administrativa e ao poder regulamentar. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2012. p. 129-178.

[9] MOTTA, Fabrício. Função normativa da administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 139.

[10] “O ato administrativo, no Estado Democrático de Direito, está subordinado ao princípio da legalidade (CRFB, arts. 5o, II, 37, caput, e 84, IV), o que equivale assentar que a Administração só pode atuar de acordo com o que a lei determina. Desta sorte, ao expedir um ato que tem por finalidade regulamentar a lei (decreto, regulamento, instrução, portaria, etc.), não pode a Administração inovar na ordem jurídica, impondo obrigações ou limitações a direitos de terceiros” (STJ – Resp nº 584.798/PE, rel. Min. Luiz Fux, DJ 06/12/2004).

[11] “Como de sabença, a validade dos atos normativos secundários (entre os quais figura o decreto regulamentador) pressupõe a estrita observância dos limites impostos pelos atos normativos primários a que se subordinam (leis, tratados, convenções internacionais etc.), sendo certo que, se vierem a positivar em seu texto uma exegese que possa irromper a hierarquia normativa sobrejacente, viciar-se-ão de ilegalidade e não de inconstitucionalidade (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 531 AgR, Rel. ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 11.12.1991, DJ 03.04.1992; e ADI 365 AgR, Rel. ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 07.11.1990, DJ 15.3.1991)” (STJ – ROMS nº 21.942/MS, rel. Min. Luiz Fux, DJe 13/04/2011).

[12] BINEBOJM, Uma Teoria do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 157-158.

[13] Cf. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 240-251. 

[14] “O que em verdade se interpreta são os textos normativos; da interpretação dos textos resultam as normas. Texto e norma não se identificam. A norma é a interpretação do texto normativo […] O significado (isto é, a norma) é o resultado da tarefa interpretativa. Vale dizer: o significado da norma é produzido pelo intérprete. Por isso dizemos que as disposições, os enunciados, os textos, nada dizem; eles dizem o que os intérpretes dizem que eles dizem” (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 27).

[15] DUARTE, Leonardo Avelino. Poder regulamentar brasileiro: Espécies Regulamentares no Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 2022. p. 112.

[16] RODRIGUES. Marco Antonio dos Santos. Constituição e Administração Pública: definindo novos contornos à legalidade administrativa e ao poder regulamentar. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2012. p. 130.

[17] Cf. SUNSTEIN, Cass; VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions. Michigan Law Review, vol. 101, n.º 4, 2003.

[18] Nesse ponto, tem-se por salutar o desenvolvimento de mecanismos de participação social no processo de tomada de edição acerca de regulamentos de execução, a partir de audiências e consultas públicas, oitiva de especialistas (inclusive do setor privado) e membros da sociedade civil organizada.

[19] Acerca das supostas tensões entre a regulamentação técnica e o Estado Democrático de Direito, vide: BINEBOJM, Uma Teoria do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 273-.301.

[20] Aqui estamos falando na necessidade de definir as competências e os fluxos internos para a instrução das alterações contratuais (qualitativas e quantitativas), especialmente quando motivadas por pleito das empresas contratadas.

[21] Nada impede que a regulamentação específica do rito procedimental de tais procedimentos auxiliares seja realizada, caso a caso, a partir do próprio edital, que, a rigor, é um ato administrativo de natureza normativa.

[22] Cf. MOTTA, Fabrício. Função normativa da administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

[23] “[…] acreditamos que a função regulamentar é exercida tanto pelo Chefe do Poder Executivo quanto por autoridades públicas ou órgãos da administração, porque a Constituição e as leis excepcionalmente atribuem competência regulamentar a essas outras autoridades” (CANOTILHO; MENDES; SARLET; STRECK. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1220).

[24] MOTTA, Fabrício. Função normativa da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 170.

[25] No âmbito da União, várias foram as iniciativas dos demais Poderes, do TCU e do Ministério Público da União em editar regulamentos para a implementação e aplicação da Lei nº 14.133/2021. A exemplo, no âmbito do Senado Federal, foram editados diversos normativos, merecendo destaque o Ato da Diretoria-Geral nº 14/2022, que estabelece disposições acerca das atribuições e procedimentos de licitações e contratos administrativos [disponível em: https://adm.senado.leg.br/normas/ui/pub/normaConsultada;jsessionid=189152E1A4C1B3FDC19881A71DC2A6C4.tomcat-?0&idNorma=14380101] e o Ato da Diretoria-Geral nº 15/2022, que dispõe sobre o processo administrativo sancionatório e a dosimetria na aplicação de penalidades decorrentes da prática de infrações definidas no art. 155 da Lei nº 14.133/2021 [disponível em: https://adm.senado.leg.br/normas/ui/pub/normaConsultada?2&idNorma=14380102#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20processo%20administrativo,no%20%C3%A2mbito%20do%20Senado%20Federal]. No âmbito do TCU, destacam-se os seguintes regulamentos internos da Lei nº 14.133/2021: Portaria nº 175/2022 (dispõe sobre o Plano de Contratações Anual); Portaria nº 121/2023 (dispõe sobre a fase preparatória e a fase de seleção de fornecedor relativas aos processos de contratações de serviços, de compras e de fornecimentos contínuos); Portaria nº 122/2023 (dispõe sobre a gestão e a fiscalização dos contratos de serviços, de compras e de fornecimentos contínuos); e Portaria nº 127/2023 (dispõe sobre o processo de apuração de responsabilidade e aplicação de sanções em licitações e contratos administrativos).

[26] MONTEIRO, Vera. Licitação na modalidade pregão. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 209.

[27] FREIRE, André Luiz. Direito dos Contratos Administrativos. São Paulo: RT, 2023, p. 266.

[28] Vide, para tanto, interessante disposição contida no parágrafo único do art. 2º do Anexo V do Regulamento Administrativo do Senado Federal (que se trata de uma resolução editada com fundamento no art. 52, XIII, da CRFB): “Os regulamentos emanados do Poder Executivo Federal somente serão aplicados e observados na realização das contratações do Senado Federal quando houver expressa previsão nesse sentido em ato normativo interno, em decisão de autoridade competente ou em disposição editalícia“.

[29] Vide, nesse sentido: art. 11 do Decreto no 7.174/2010; art. 17, I, do Decreto no 9.373/2018; art. 59 do Decreto no 10.024/2019, entre outros.

[30] MOTTA, Fabrício. Função normativa da administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 186.

[31] Para tanto, veja-se o disposto no art. 87, III, da CRFB.

[32] “[s]empre haverá subordinação dos atos normativos derivados de segundo grau a diploma de hierarquia superior. Admitindo-se, em razão da necessidade de concreção, a existência de sucessivos atos para possibilitar a execução das normas superiores (‘regulamentos de regulamentos’), de acordo com a organização das estruturas administrativas, é imperativo posicioná-los corretamente no escalonamento imposto pelo ordenamento” (MOTTA, Fabrício. Função normativa da administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 186).

[33] Art. 30. Serão organizadas sob a forma de sistema as atividades de pessoal, orçamento, estatística, administração financeira, contabilidade e auditoria, e serviços gerais, além de outras atividades auxiliares comuns a todos os órgãos da Administração que, a critério do Poder Executivo, necessitem de coordenação central.

§ 1o Os serviços incumbidos do exercício das atividades de que trata este artigo consideram-se integrados no sistema respectivo e ficam, consequentemente, sujeitos à orientação normativa, à supervisão técnica e à fiscalização específica do órgão central do sistema, sem prejuízo da subordinação ao órgão em cuja estrutura administrativa estiverem integrados.

[34] Como exemplo, a Instrução Normativa SEGES nº 73/2022, que regulamenta as licitações eletrônicas com critério de julgamento por menor preço ou maio desconto, estabeleceu toda a estrutura operacional do Compras.gov.br, de modo que toda entidade usuária de tal sistema (seja SISG ou não-SISG) se vincula às opções regulamentares adotadas no normativo. É o que se passa, também, em relação ao Sistema de Dispensa Eletrônica, regulamentado pela Instrução Normativa SEGES nº 67/2021.

[35] ADI 1.717, rel. Min. Sydney Sanches, j. 07/11/2002, DJ 28/03/2003, p. 63.

[36] No bojo do Acórdão nº 1.386/2005-Plenário, o TCU, considerando a natureza autárquica e a capacidade tributária ativa, pugnou pela submissão dos Conselhos de Profissionais ao regime contratual da Lei nº 8.666/1993. Com esteio nas mesmas premissas, compreende-se a manutenção do entendimento do TCU quanto à submissão das autarquias especiais ou “corporativas” à Lei nº 14.133/2021.

[37] ADC 36/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, rel. p/ Acórdão: Min. Alexandre de Moraes, j. 08/09/2020, DJe 16/11/2020.

[38] Quanto à supervisão, diz-se “ordinária” nos termos dos arts. 19, 25 e 26 do Decreto-Lei nº 200/1967, devendo ser feita menção à compreensão do TCU sobre a matéria, especialmente lançada no Acórdão nº 1.237/2022-Plenário, de relatoria do Min. Vital do Rêgo. Destaca-se os seguintes trechos do voto do Relator:

“59. Concluo que aos Conselhos Profissionais não se aplica a supervisão ministerial nos moldes do Decreto-lei 200/1967, aspecto que não retira a obrigatoriedade de que sejam eles supervisionados de alguma outra forma, pelo simples fato de prestarem serviços públicos outorgados pelo Poder Público. Nesse caso, a necessidade de supervisão independe de norma expressa, pois é intuitiva, própria de quem tem responsabilidade pela prática de atos que confia a outrem, ainda mais quando envolvem a gestão de haveres públicos e atividades inerentes ao papel do Estado.

[…]

61. Inclusive, no voto que precede o Acórdão 2653/2019-TCU-Plenário, prolatado em sede de embargos de declaração opostos ao Acórdão 1925/2019-TCU-Plenário, o Ministro-Substituto Weder de Oliveira indica que a supervisão a ser feita nos Conselhos Profissionais não é necessariamente aquela que abrange todas as medidas detalhadas no art. 26 do Decreto-lei 200/1967, como se pode perceber do trecho que de lá extraio: “não cabe a esta Corte definir a extensão e o formato da supervisão ministerial. Trata-se de inequívoca competência do Poder Executivo.”

[…]

65. Enfim, creio que, dando provimento parcial aos recursos, o texto do dispositivo possa ser alterado, para excluir a referência ao art. 19 do Decreto-lei 200/1967, não aplicável aos Conselhos Profissionais, e o vocábulo “ministerial”, a fim de deixar a critério do Poder Executivo eleger o órgão que executará a supervisão, incluindo a possibilidade de definição da “sua forma e conteúdo” […]” [grifou-se].

Diante dos embargos de declaração interpostos pela AGU, o TCU voltou a se manifestar sobre o tema no Acórdão nº 2.603/2024-Plenário, tendo registrado o Min. Vital do Rêgo:

“3. Consta dos fundamentos do Acórdão 1237/2022-TCU-Plenário que a falta de vinculação ministerial ou de inclusão na Administração Pública não constitui impeditivo para a necessidade de supervisão dos Conselhos Profissionais pelo Poder Executivo, pois a questão que atrai o controle está na prestação de serviços públicos pelas referidas entidades:

[…]

9. Obviamente que, nos termos também explicados no Acórdão 1237/2022-TCU-Plenário, a supervisão, em nome do Poder Público, é atribuição do Poder Executivo, que existe precipuamente para exercer funções administrativas, inclusive as dos próprios Conselhos, caso não tivessem sido delegadas.

[…]

16. Além do mais, a deliberação teve absoluta atenção ao decidido pelo STF na ADC 36/DF, inclusive no reconhecimento de que os Conselhos não integram a Administração Pública, conforme passagem que vai do parágrafo 19 ao 23 do voto que fundamenta o Acórdão 1237/2022-TCU-Plenário, que dispenso a reprodução. No entanto, restou assertivo que estar fora da Administração não é razão suficiente para afastar a necessidade de supervisão pelo Poder Público” [grifou-se].

Note-se, assim, que, apesar de pugnar pela necessidade de uma espécie de “supervisão” (relacionada à estrutura do caput do art. 26 do Decreto-Lei nº 200/1967), o TCU sugere que o dimensionamento de sua “forma e conteúdo” seja realizado por parte do Poder Executivo Federal. A partir de tal diálogo institucional com o TCU, a Casa Civil da Presidência da República, por meio da Portaria nº 466, de 15/04/2025, criou um “Grupo de Trabalho Interministerial para atendimento ao Acórdão nº 1925/2019 TCU-Plenário, ao Acórdão nº 1237/2022 TCU-Plenário e ao Acórdão nº 2603/2024 TCU-Plenário (TC nº 036.608/2016-5) do Tribunal de Contas da União, que tratam sobre a supervisão e o controle interno dos conselhos de fiscalização profissional”.

[39] Também nos referimos às “normas específicas” pelo fato de os Conselhos Profissionais serem autarquias compreendidas na órbita federal. Logo, mesmo que a disposição da Lei nº 14.133/2021 venha a ser considerada de natureza “específica”, será integralmente vinculante para os órgãos e entidades da Administração Pública federal.

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