
Sobre os regulamentos da Lei nº 14.133/2021 tratando sobre a possibilidade de chancela de termo de ajustamento de conduta entre Administração Pública e licitante ou contratado.
Introdução
Objetivando (r)evolução nos procedimentos de aplicação de penalidades a licitantes e contratados, através do regime legal sancionatório da Lei nº 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLC -, o presente artigo apresenta considerações quanto a possibilidade de utilização de sistema administrativo consensual de resolução de conflito, a partir da chancela de instrumento de ajuste de conduta entre administração pública e licitantes, utilizando por fundamento dois atos normativos regulamentadores da nova lei que propuseram a firmatura de termo de ajustamento de conduta, quais sejam: o Ato da Diretoria-Geral nº 15/2022 do Senado Federal e o Decreto do Poder Judiciário do Estado do Paraná nº 269/2022.
Dos meios alternativos de resolução de controvérsias
Em meio às novidades, merece destaque capítulo específico (Título III – Capítulo XII) da NLLC contendo regras sobre os meios alternativos de resolução de controvérsias.
Nos termos do art. 151 restou estabelecido que nas contratações poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem, sendo que terão por objeto controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações.
Entretanto, é importante frisar que não se trata de um rol exaustivo. As situações ali postas como objetos possíveis de resolução alternativa são meramente exemplificativas.
Ademais, ainda que a arbitragem não seja novidade, já que disputas envolvendo a Administração Pública são usuais e pacíficas, a nova previsão legislativa traz segurança jurídica e ainda abrirá grandes debates sobre sua efetivação em diversos contextos e para vários procedimentos.
Aspectos gerais sobre a possibilidade de firmatura de termo de ajustamento de conduta
Sucintamente, inicia-se a linha de raciocínio a partir da análise do enfoque das finalidades das sanções administrativas, quais sejam: a) repressiva em relação a conduta praticada pelo sancionado, objetivando punir o licitante faltoso, bem como desestimular a sua reincidência; b) preventiva em relação a coibição da prática futura de condutas; e, c) educativa. A finalidade repressiva basicamente se resume na aplicação da sanção restritiva de licitar e contratar. Já as finalidades preventiva e educativa ainda pendem de ações junto a gestão pública, tanto na necessidade de se criar mecanismos de prevenção, como na necessidade de os órgãos públicos atuarem fortemente na educação de seus licitantes.
E o que as sanções buscam combater? Por óbvio responder-se-á: as infrações administrativas. Entretanto, a Administração quer manter seus contratos, quer ter o melhor resultado em suas licitações e quer entregas efetivas para a sociedade.
E o que pode ser feito?
Ao mesmo tempo que a doutrina e a jurisprudência exigem que a pena seja proporcional à conduta reprovável, destacando que a punição excessiva viola preceitos fundamentais, a norma dá (ou poderá dar) parâmetros máximos e mínimos e ressalta a necessidade de se avaliar a gravidade da conduta. No contexto de avaliação da gravidade da conduta, bem como dos prejuízos advindos dela, existe espaço para promoção de novos procedimentos.
Seria a consensualidade uma ferramenta possível? Com toda certeza sim, por meio da qual acordos entre administração e administrado podem ser firmados com vistas a solução consensual do interesse público.
Neste caminho, vislumbrando-se uma visão possível de flexibilização e alcance mais objetivo da política pública de compras públicas, vê-se como caminho a possível proposição de termo de ajuste entre gestor e infrator. Não suprindo, por obviedade, o fluxo quanto a necessidade de juízo ou exame de admissibilidade diante da análise prévia da notícia de irregularidade e a subsequente decisão adotada pela autoridade competente de, em sendo o caso, reprimir o licitante, ou, dentro do possível, conciliar.
A propósito, na esfera conceitual, o termo de ajustamento de conduta significa ferramenta de garantias e interesses. É instrumento de composição de conflitos, célere e efetivo na execução de obrigações.
Muito bem argumenta o professor Victor Amorim quando da necessidade de se compreender a atividade sancionadora como uma ferramenta de gestão e dar a ela a consensualidade como técnica regulatória[1]:
Nessa quadra de evolução das normas concernentes ao sancionamento nos contratos administrativos, é admissível concluir que o fundamento de justificação da necessária observância de um procedimento dialógico ínsito ao agir punitivo da Administração nas contratações públicas decorre da compreensão da atividade sancionatória como ferramenta institucional de gestão pública, na qual a consensualidade se apresenta como técnica regulatória para a obtenção de soluções mais efetivas e legítimas, na perspectiva de formação democrática e dialógica das ações, para o atingimento das finalidades públicas ínsitas à contratação.
Há de se entender sobre a importância do estreitamento de relações entre administrado e administrador, rompendo com os preconceitos de que uma aproximação gera corrupção. Dialogar é fazer gestão. Nesse sentido, apresento exemplos de recentes normas que tratam de compromissos de ajuste de conduta entre Administração e licitantes e contratados.
Do Ato da Diretoria-Geral nº 15/2022 do Senado Federal
Foi publicado em 10 de junho de 2022, o Ato da Diretoria-Geral nº 15, do Senado Federal, com o objetivo de regulamentar, no âmbito do Senado Federal, o processo administrativo sancionatório e a dosimetria na aplicação de penalidades decorrentes da prática de infrações definidas no art. 155 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 a Lei – Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC.
Na norma, restou previsto, no art. 8º, a possibilidade de celebração de compromisso de ajuste de conduta, nos termos do art. 26 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, vejamos:
Art. 8º No processo administrativo sancionatório instaurado para apuração de condutas praticadas durante a execução contratual e que possa ensejar a aplicação das sanções previstas nos incisos II e III do caput do art. 156 da Lei nº 14.133, de 2021, poderá ser celebrado com a contratada compromisso de ajuste de conduta nos termos do art. 26 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que observados os seguintes requisitos:
I – presença dos pressupostos previstos no próprio instrumento contratual;
II – que o acordo se apresente como a medida mais eficaz para o atendimento do interesse público e para a continuidade da prestação do serviço;
III – seja previsto no acordo que o afastamento da sanção dar-se-á em caráter condicional ao cumprimento integral das condições estabelecidas;
IV – haja prévia manifestação da Advocacia do Senado Federal antes da celebração do acordo.
Inova prevendo a possibilidade de compromisso de ajuste de conduta. Contudo, destaca a necessidade de observação de requisitos, quais sejam:
- Que seja conduta praticada durante a execução contratual;
- Passível da sanção de multa ou impedimento;
- Presença dos pressupostos previstos no próprio instrumento contratual;
- Que o acordo se apresente como a medida mais eficaz para o atendimento do interesse público e para a continuidade da prestação do serviço;
- Seja previsto no acordo que o afastamento da sanção dar-se-á em caráter condicional ao cumprimento integral das condições estabelecidas;
- Haja prévia manifestação da Advocacia do Senado Federal antes da celebração do acordo.
Ou seja, para celebração do compromisso há necessidade de observar requisitos, em especial, sobre a previsão da possibilidade em instrumento contratual e a análise pela assessoria jurídica.
Por fim, é importante que esteja previsto no acordo que o afastamento da sanção dar-se-á em caráter condicional ao cumprimento integral das condições estabelecidas.
Do Decreto do Poder Judiciário do Estado do Paraná, nº 269/2022
O Judiciário do Paraná é um dos pioneiros na regulamentação integral da Nova Lei de Licitações, tendo normatizado, inclusive, procedimentos para aplicação de sanções administrativas a licitantes e contratados.
Trata-se do Decreto do Poder Judiciário do Estado do Paraná nº 269/2022. No referido instrumento também resta previsto a possibilidade de firmatura de termo de ajustamento de conduta no âmbito do processo administrativo sancionador de licitantes e contratados. Em tempo, a previsão está contida no art. 26, vejamos:
Art. 26. Em se tratando de descumprimento que possa acarretar a penalidade de advertência, de multa ou de impedimento de licitar e contratar, e desde que não aplicável o previsto na subseção I e II desta Seção, como medida alternativa ao prosseguimento ou à instauração do processo pode ser firmado Termo de Ajustamento de Conduta-TAC.
§ 1º O ajustamento de conduta requerido pela contratada ou recomendado pela comissão permanente ou servidor ou servidora responsável ou gestor, gestora ou fiscal do contrato, pode ser formalizado antes, quando se tratar de impedimento, ou durante o processo administrativo para apuração de responsabilidade para todas as sanções previstas no caput.
§ 2º São requisitos de admissibilidade para celebração de TAC:
I – demonstração de que os fatos são puníveis com sanção de advertência, multa ou impedimento;
II – não ter o interessado gozado de benefício de TAC nos últimos dois anos em qualquer contratação com este Tribunal de Justiça;
III – não possuir o interessado registro vigente de sanção de inidoneidade com a Administração Pública, de sanção de impedimento, ou de multa, não quitada, com a Administração Estadual.
IV – ausência de indício de crime ou improbidade administrativa.
§ 3º A autoridade competente para firmar o Termo de Ajustamento de Conduta é a prevista no Decreto Judiciário nº 711, de 2011, e o acompanhamento do cumprimento deve ser feito pelo gestor ou pela gestora ou fiscal do contrato.
§ 4º O descumprimento das obrigações previstas no TAC acarreta a abertura ou o prosseguimento do processo administrativo suspenso e sujeita o compromissário à sanção fixada no termo, bem como a execução do TAC, que tem natureza de título executivo extrajudicial.
§ 5º Quando a substituição se der em decorrência de descumprimento que tenha por sanção:
I – a pena de multa: o valor a ser fixado pelo descumprimento parcial do compromisso deve ser de até 50% e de até 100% se o descumprimento for total, calculado sobre o valor da multa suspensa, sem prejuízo de outra penalidade eventualmente fixada no termo, levando-se em consideração a gravidade e natureza da infração, a vantagem auferida, a extensão do dano causado à Administração e a condição econômica do compromissado;
II – nos demais casos, o valor da pena de multa a ser fixado pelo descumprimento do compromisso, também tendo em conta o inadimplemento parcial ou total, deve ser de, no mínimo, 0,5% (meio por cento) e no máximo 30% (trinta por cento), calculado sobre o valor inadimplido, levando-se em consideração a gravidade e natureza da infração, a vantagem auferida, a extensão do dano causado à Administração e a condição econômica do compromissado.
§ 6º Na hipótese de previsão, para a mesma conduta, de mais de uma penalidade passível de TAC, o valor da multa pelo inadimplemento a ser fixado no termo deve levar em consideração as regras dos incisos do § 5º deste artigo, podendo ultrapassar o máximo estipulado no inciso II.
§ 7º Até a criação das Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos no âmbito deste Tribunal, conforme previsto neste Decreto, a minuta do TAC deve ser analisada e mediada por Consultor Jurídico ou Consultora Jurídica, notadamente para a análise:
I – de seu cabimento;
II – das obrigações da contratada, que devem conter medidas compensatórias para a infração praticada, trazendo benefícios para o Tribunal de Justiça;
III – das penalidades pelo descumprimento do Termo de Ajustamento de Condutas.
§ 8º Aplicam-se ao procedimento previsto neste artigo, no que couber e com as devidas adaptações e correlação com o caso concreto, as regras estabelecidas nos artigos 202 a 222 do Capítulo IV, do Título IV Código de Processo Administrativo do Estado do Paraná, Lei nº 20.656, de 03 de agosto de 2021.
§ 9º O produto da arrecadação da multa deve ser revertido ao Fundo de Reequipamento do Poder Judiciário-Funrejus.
Trata-se de norma bem completa, com previsão de diversos requisitos para a formalização do ajuste. Já no caput do artigo pode ser percebido que o ajuste só será aplicado para os casos de infrações que sejam passiveis de advertência, multa ou impedimento, não havendo previsão de sua utilização para os casos e infrações que possam gerar a aplicação da sanção de inidoneidade.
Ainda, conforme o §1º, o ajustamento de conduta pode ser requerido pela contratada ou recomendado pela comissão permanente ou servidor ou servidora responsável ou gestor, gestora ou fiscal do contrato, podendo também ser formalizado antes, quando se tratar de impedimento, ou durante o processo administrativo para apuração de responsabilidade para todas as sanções previstas no caput.
Assim como também previsto na norma do Senado Federal, o Judiciário do Paraná destacou requisitos para a possibilidade de firmatura do termo, vejamos:
- demonstração de que os fatos são puníveis com sanção de advertência, multa ou impedimento;
- não ter o interessado gozado de benefício de TAC nos últimos dois anos em qualquer contratação com este Tribunal de Justiça;
- não possuir o interessado registro vigente de sanção de inidoneidade com a Administração Pública, de sanção de impedimento, ou de multa, não quitada, com a Administração Estadual;
- ausência de indício de crime ou improbidade administrativa.
Importante observar que o descumprimento das obrigações previstas no termo acarreta a abertura ou o prosseguimento do processo administrativo suspenso e sujeita o compromissário à sanção fixada no termo, bem como a execução do TAC, que tem natureza de título executivo extrajudicial.
Por fim, o § 5º prevê multa em relação ao descumprimento do acordo, destacando que quando a substituição se der em decorrência de descumprimento que tenha por sanção a pena de multa, o valor a ser fixado pelo descumprimento parcial do compromisso deve ser de até 50% e de até 100% se o descumprimento for total, calculado sobre o valor da multa suspensa, sem prejuízo de outra penalidade eventualmente fixada no termo, levando-se em consideração a gravidade e natureza da infração, a vantagem auferida, a extensão do dano causado à Administração e a condição econômica do compromissado. E, nos demais casos, o valor da pena de multa a ser fixado pelo descumprimento do compromisso, também tendo em conta o inadimplemento parcial ou total, deve ser de, no mínimo, 0,5% (meio por cento) e no máximo 30% (trinta por cento), calculado sobre o valor inadimplido, levando-se em consideração a gravidade e natureza da infração, a vantagem auferida, a extensão do dano causado à Administração e a condição econômica do compromissado.
São regras bem completas que podem servir de modelo para demais órgãos em suas regulamentações sobre a matéria.
Conclusão
O direito administrativo sancionador tem merecido atenção especial dos gestores públicos. É momento de se utilizar melhor das atuais regras que abrem espaço para negociações e firmatura de ajustes entre público e privado.
No sentido de trazer inovações cada vez mais prática para a solução de conflitos geradas no âmbito da execução das atividades pela administração pública, como forma de atingir uma política de compra pública de qualidade e de atendimento de toda cadeia da contratação pública, acompanhar o “infrator” de uma maneira mais próxima e com atuação legal e constante, através da firmatura de termo de compromisso, é uma solução prática e possível.
Ainda que exista a necessidade de aprimoramento de instâncias fiscalizadoras na gestão pública, capazes de identificar possível transgressão no cumprimento dos acordos, é momento de retirarmos a visão dos licitantes e contratados de que o objetivo da Administração é banir empresas dos certames, arrecadar com multas e desconstituir contratos. O que se faz é fiscalizar o uso do dinheiro público, a efetividade das entregas para a sociedade e a eficiência das compras públicas.
É um desafio, por óbvio. Que saibamos e tenhamos coragem de inovar.
Referências
AMORIN, Victor. Consensualidade e atividade sancionatória nas contratações públicas. Em http://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo_detalhe.html
Ato da Diretoria-Geral nº 15/2022 do Senado Federal. Em https://www.novaleilicitacao.com.br/2022/06/14/ato-regulamenta-procedimentos-da-nllc-no-senado-federal/
Decreto do Poder Judiciário do Estado do Paraná nº
269/2022. Em https://www.tjpr.jus.br/documents/18319/64406288/Decreto+269-2022/bae72c77-9826-f7f6-ff45-56b8e4cc7476
[1] Em http://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo_detalhe.html
Boa Tarde!!
Apenas a título de contribuição e comentário… estou com um caso prático de um contrato regido pela Lei nº 8.666/93 e que o município contratante aplicou penalidade e, depois, firmou um TAC com a empresa contratada.
Contudo, entendo não ser possível, pois a Lei nº 14.133 dispõe que o contrato, durante toda a sua vigência, será regido pelas regras da legislação que regeu a contratação (Art. 191).
Art. 191. (…)
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, O CONTRATO RESPECTIVO SERÁ REGIDO PELAS REGRAS NELAS PREVISTAS DURANTE TODA A SUA VIGÊNCIA.
Art. 193. Revogam-se:
(…)
II – em 30 de dezembro de 2023:
a) a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993
Assim, se optou em licitar usando a Lei nº 8.666/93, não pode trazer disposição da Lei nº 14.133 para gestão do contrato.
Parabéns pela sua doutrina/artigo.