O art. 41, “caput”, inciso III, da Lei nº 14.133/21 fica o que se pode chamar de “atestado de vida pregressa” de produtos ou de marca. Primeiramente, podemos concluir que esse “atestado” não pode ser ampliado para serviços ou para os contratantes. Para tanto, a Administração Pública, caso queira validar, pontuar ou, enfim, considerar em uma licitação a atuação pretérita de uma empresa ou de um serviço, deverá se valer de outras regras.
Especificamente, o referido inciso III permite que se proíba a contratação de marca ou produto, quando restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração Pública não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual. Para tanto, deverá garantir a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal constitucionalmente protegidos, isso em um regular processo administrativo.
Para que o dispositivo possa ser bem aplicado, mostra-se imprescindível que seja regulamentado, a fim de se definir parâmetros objetivos para se considerar que um produto não atende à contratação pretendida – respeitadas as providências do art. 41 da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/21). E isso deverá ser provado e decidido em processo administrativo, momento em que, como dito, dar-se-á oportunidade à defesa do licitante. Por exemplo: deve ser considerado determinado produto em relação à determinada contratação. Essa pertinência, ou melhor, esse nexo deverá ser balizado, por conta de que um objeto contratado pode ser ineficiente para certa situação, mas efetivo para outra contratação diversa. Por isto que a história de consumo do produto deverá estar documentada, sendo um documento central na aplicação do art. 41, inciso III, da Lei Geral de Licitações e Contratos.
Em termos objetivos, a regra pretende evitar a repetição de contratações que se mostraram ineficazes, ou quando o produto não possui a devida qualidade, dando-se guarita ao princípio da eficiência (art. 37 “caput” da CF/88). Assim, estabelece-se uma espécie de “atestado” de como o produto se comporta em determinadas situações. Caso não se tenha tido uma experiência adequada nesse sentido, evita-se repeti-la. Exemplo: um município atesta que certa marca de pneu é de péssima qualidade e coloca em risco a vida dos condutores ou indivíduos transportados. Assim, poderá vedar contratações futuras desse bem. Mas atenção: devemos ficar atentos para casos em que se emprega esse dispositivo para fins ilícitos ou inidôneos, como, por exemplo, quando determinado gestor impede a contratação de bem fornecido por desafeto político, alegando que, supostamente, não teria propriedade de bem adimplir o contrato.
Segundo dispõe o texto do inciso III do “caput” do art. 41 da Lei nº 14.133/21, não fica claro se um determinado ente licitante poderia se valer de atestado ou a comprovação de outra entidade pública. Compreendemos que isso é plenamente possível, desde que se respeite o devido processo legal, bem como exista pertinência na contratação. Assim, os produtos adquiridos e utilizados anteriormente e que não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual podem ser comprovados a partir de informações de outros entes públicos. Exemplo: se determinado Estado da federação atestou idoneamente que um medicamento não possui capacidade de curar certa doença, isso deve ser considerado por outro ente federado.
Ainda, deve-se perceber que o inciso III do art. 41 não se confunde com a sanção de impedimento de contratar com o poder público ou com a declaração de inidoneidade (incisos III e IV do art. 156 da Lei nº 14.133/2021). O art. 41 não alberga caso de sanção, porque trata de uma opção técnica por produtos que sejam mais eficientes, deixando-se de adquirir objetos que não se mostraram qualificados. Por conseguinte, o art. 41, inciso III, indica que não se volte a comprar certos bens, enquanto que o art. 156 gera efeitos sancionatórios e impeditivos a pessoas. É dizer: o primeiro tem cunho objetivo e o segundo espectro subjetivo. Veja a diferença: imagine que a empresa “A” forneça refil para impressoras da marca “X”. Esta se mostrou muito ruim, e houve determinação para não mais se contratar esta marca. Contudo, nada impede que a mesma empresa “A” possa participar de novas licitações e fornecer um refil de marca “Y” ou “Z” ou “W”. A mesma fabricante pode possuir produtos de maior qualidade, e não estará impedida de participar de certames – o que não pode é voltar a entregar a marca rechaçada.
Uma providência importante consiste em dar publicidade ampla à decisão administrativa que proíbe a contratação de determinada marca ou produto, a fim de orientar toda a Administração Pública e outros fornecedores que eventualmente intentem participar de licitação fornecendo o objeto já vetado. É adequado que essa publicidade seja feita no portal de licitação de cada órgão. Por conseguinte, pende a dúvida quanto ao prazo para se manter vedada a aquisição de certo produto ou marca na forma do art. 41, inciso III, da Lei nº 14.133/2021. Como já dissemos, a regra em questão não tem por objetivo aplicar uma sanção (bem por isto que as penas mencionadas e constantes nos incisos III e IV do art. 156 não são perpétuas). Já a lógica do mencionado art. 41, inciso III, deve ser outra e fundamentada na eficiência. Então, consideramos que pode existir uma reabilitação do contratado a qualquer momento, desde que prove, cabal e tecnicamente, que o produto deixa de apresentar vícios e passa a estar dotado de suficiente qualidade. Esta reabilitação deve ser feita perante os técnicos da Administração Pública, aos quais cabe formular parecer neste sentido.
*Juliano Heinen é doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor titular de Direito Administrativo da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP).